No artigo anterior vimos dois tipos de motivação que afetam diretamente o desempenho da pessoa e da equipe.
Entendemos que investir em motivações diretas das pessoas é crucial para a empresa mas, mesmo assim, vimos muito a motivação indireta predominando no ambiente das empresas.
Existem poucas razões óbvias mas pesquisadores descobriram razões mais profundas e teimosas. Um viés que faz a gente preferir usar motivações indiretas.
A boa notícia é que um viés não é algo permanente. Podemos eliminar entendendo melhor como ele funciona!
Bora entender como esse viés funciona!
A experiência da cabine telefônica#
Você vive em uma época onde ainda não tinha celular. É ainda a época da cabine telefônica.
Você está fazendo ligação em uma delas.
Quando você termina a ligação e começa a sair da cabine telefônica, um estranho derruba uma pasta cheia de papéis no chão e eles se espalham.
Você é o tipo de pessoa que para e ajudaria a recolher?
Com certeza a maioria responderia que sim. Mas duas pesquisas feitas simulando a situação mostra que somente 4% das pessoas realmente ajudaram.
A verdade é que poucas pessoas ajudariam. Você pode não acreditar e tentar encontrar alguma razão para este resultado. E até faz sentido, pois vai contra a nossa intuição.
Mas os pesquisadores não pararam por aí.
Eles realizaram a mesma experiência mas com uma simples mudança: Deixaram uma moeda na saída do troco.
Nós queremos acreditar que uma simples mudança no contexto não afeta nossos valores e na nossa crença. Quando nos tornamos adultos, ajudamos ou não a pessoa.
Mas a experiência prova o contrário: 88% das pessoas ajudaram a colher os papéis no chão, quando acharam a moeda.
Esta experiência e outras que vieram depois mostram que a nossa cidadania depende muito mais do contexto e não em algum aspecto imutável da personalidade da pessoa.
Se o contexto é tão importante como a experiência mostra, por que não focamos mais no contexto e menos nas pessoas dentro das empresas?
A resposta é o viés da culpa ou Erro Fundamental de Atribuição
Viés da Culpa ou Erro Fundamental de Atribuição#
Como a experiência mostra, esse é um tipo de viés cognitivo que faz a gente julgar os outros como se as suas atitudes refletissem quem elas são, sem considerar o contexto.
Veja o seguinte vídeo do TED que mostra esse viés em ação:
Neste vídeo, o psicólogo social Paul Piff mostra uma experiência interessante. Duas pessoas jogam um jogo chamado Banco Imobiliário que simula um pouco do mundo de negócio.
A pegadinha da experiência é que esse jogo está programado para que um dos jogadores receba em dobro do dinheiro, jogue mais dados e etc. Ou seja, é um jogo manipulado.
Dado o contexto, claramente está manipulado. Mas os vencedores deste jogo manipulado acham que foi pela habilidade exibida no jogo.
Ou seja, se os vencedores se acham habilidosos, implicitamente os perdedores são menos habilidosos. Isso é o viés da Culpa.
Nós vemos muito esse tipo de viés no ambiente organizacional:
- Por que um time não consegue nunca entregar na data? É por que o time é ineficiente
- Por que o trabalho da pessoa é mal feito? Por que ele não é inteligente
- Por que a pessoa sempre chega atrasado na reunião? Por que ele é preguiçoso
E quando um líder de um time ou uma empresa vê isso, pelo viés, focamos em estimular as pessoas e não focamos no contexto.
A empresa foca muito em avaliação de desempenho e foca muito pouco na cultura.
A empresa foca muito em contratar a pessoa certa e subestima a influência da cultura organizacional quando ela entra.
Como podemos combater esse viés?
Efeito Pigmaleão#
Você deve treinar um time para desenvolver um software e recebeu um time de 9 pessoas.
Você recebeu também uma avaliação de cada uma delas. 3 são excepcionais, 3 são comuns e os últimos 3 não possuem o resultado da avaliação.
O que aconteceria com você e com o time nesta situação?
Um pesquisador fez esta experiência. O resultado foi o esperado.
- As 3 pessoas mais bem avaliadas superou as expectativas em todas as áreas
- As 3 pessoas sem o resultado da avaliação foram medianas
- As 3 pessoas avaliados como comum deve o pior desempenho
E claro que existe uma pegadinha. As avaliações foram dadas de formas aleatórias para as pessoas!
Quando uma pessoa bem avaliada tinha algum problema, o líder não culpava a pessoas mas o contexto. Pois “sabia” que ele era excepcional.
O problema não podia ser a pessoa. Então o viés da culpa foi eliminado naturalmente.
Quando uma pessoa avaliada como comum tinha algum problema, era mais fácil culpá-lo e, por consequência, usar motivações indiretas.
A ideia de que a expectativa do líder pode se tornar algo preditivo de desempenho da pessoa tem sido demonstrado em muitas experiências que este fenômeno ganhou um nome: Efeito Pigmaleão.
Efeito Pigmaleão é o outro lado da moeda do viés da Culpa.
Concluindo, se o líder tem uma expectativa alta do time, o time provavelmente vai ter alto desempenho. Mas, no outro lado da moeda, se o líder tem baixa expectativa do time, o time provavelmente vai ter baixo desempenho.
Dicas para eliminar o viés da Culpa#
Primeira dica é a mais difícil mas a mais importante: Parar de julgar seus colegas, time e principalmente você mesmo.
Pare de olhar um pouco as avaliações de desempenho. Se olharmos uma avaliação negativa de uma pessoa, com certeza o desempenho dela vai piorar.
Imagine você recebendo avaliações negativas a cada avaliação. Você consegue melhorar o seu desempenho? Ou ficaria com medo de perder o emprego e correria para motivações indiretas?
A segunda é sobre feedback.
Muitas empresas adotam feedback tanto para líderes e liderados mas sem treinamento. É importante saber dar feedback inteligente para fugir do viés da Culpa.
Imagine uma pessoa que fica muito tempo no celular durante o daily e você quer dar um feedback sobre isso.
Você poderia dizer:
- “Fulano, você precisa parar de ficar no celular e prestar atenção no daily”.
Este feedback culpa a pessoa e tem pressão emocional. Você já fez um julgamento de que ela é uma pessoa sem atenção.
Ou você poderia dizer:
- “Fulano, percebi que você ficou somente no celular no último daily. Me fez sentir que você não quer ajudar o time. Pode prestar mais atenção no daily seguinte?”
Parece melhor, mas o caráter negativo continua. Você continua julgando a pessoa.
Para dar feedback inteligente, tente seguir estes passos:
- Lembre-se: Do viés da Culpa. Tente assumir intenções positivas. Queremos o efeito pigmaleão em ação
- Explicação: Pense em explicações onde o problema é do contexto e não da pessoa. Talvez o daily acontece em um horário ruim? O daily não é útil?
- Pergunte: Seja curioso e tente entender a pessoa. “Fulano, durante o daily parecia que você estava concentrado em algo. Pode me contar mais sobre o que você estava pensando?”
- Planeje: Agora é possível de descobrir a causa raiz do problema. O Fulano não estava entendendo o que a equipe estava falando e deixava ele distraído e não queria interromper a discussão.
A última dica vem do Toyota: Genchi Genbutsu.
Significa que você deve ir para o local de trabalho antes de tentar resolver qualquer problema. Toyota sabe que se as pessoas não enxergam o problema no contexto, tem um risco de surgir uma solução errada.
Se você é líder, trabalhe um dia com um desenvolvedor, ou com um engenheiro de qualidade.
Se você é colega de trabalho e no seu time existem vários papéis diferentes, trabalhe com algo fora da sua rotina.
Talvez assim vocês enxerguem qual a raiz do problema e cheguem em soluções que realmente faz a diferença.
Para dar um exemplo, trabalhei em uma equipe formada por 5 desenvolvedores e 2 engenheiros de qualidade.
Todo final do sprint a coluna de QA ficava cheia.
Será que a culpa era dos engenheiros de qualidade?
Os desenvolvedores eram eficientes que criava gargalo no QA?
Claro que não!
A dificuldade era a criação de cenário dos testes pois o sistema era complexo.
Então inicialmente os desenvolvedores testaram juntos as tarefas, entenderam onde estava o problema e criaram uma solução que criava o cenário de teste em segundos!
Trabalhem juntos para eliminar o viés da Culpa.
Conclusão#
Uma cultura de excelência é algo difícil de se alcançar. Principalmente devido ao viés da Culpa ou Erro Fundamental de Atribuição.
Devemos sempre ficar atentos a este viés e treinar nossa mente a parar de julgar as pessoas e se tornar mais curioso sobre a situação.
A dica é não julgar, feedback inteligente e genchi genbutsu.
Se tiver mais curiosidade sobre o assunto, pode falar comigo!
Espero que tenham curtido o artigo!
🥒🥒 Até o próximo artigo! 🥒🥒


